O MAL E O SOFRIMENTO INOCENTE
O MAL E O SOFRIMENTO INOCENTE

Conferência proferida pelo nosso Pároco, durante o encontro sobre: "CANCRO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES"

O Mal e o sofrimento inocente

Introito

Esta apresentação tem por objetivo fazer uma abordagem ao problema do mal e o sofrimento inocente, tendo como pano de fundo o famoso herói do livro de Job.

Começo por questionar: porque sofremos?

Podemos sofrer por um sem-número de razões. Podemos sofrer por causa de nós próprios ou dos outros. Podemos sofrer por causa do passado ou do futuro. Podemos sofrer por causa do que temos e por causa do que não temos. Podemos sofrer por causa daquilo que acreditamos e daquilo que não acreditamos. Podemos sofrer por estarmos vivos e por estarmos a morrer. Podemos sofrer por causa do amor, de um ideal, da ambição ou até do próprio sofrimento. Podemos sofrer por sofrermos demasiado ou por não sofrermos o suficiente. Podemos sofrer por nos recusarmos a acabar o nosso sofrimento e até por fazermos sofrer os outros.

O simples fato de se ser humano proporciona ou potencia qualquer tipo de dor ou de sofrimento.

Olhemos a experiência de Job

1. Um homem bom que tinha tudo e perde tudo

O livro de Job insere-se no conjunto dos Livros Sapienciais ou também chamados Livros da Sabedoria da Bíblia. O termo sabedoria é aplicado a um conhecimento baseado na experiência humana acumulada ao longo da vida e enriquecida através de gerações e que se fixou em pequenas frases com um tom proverbial.

Nos livros Sapienciais o centro é o homem individual, a sua vida quotidiana, a sua liberdade pessoal, o uso da razão e da prudência para orientar a sua vida, a sua relação com a criação e os seus enigmas.

Embora o autor desta obra tenha sido um israelita conhecedor do pensamento hebraico tradicional, é também versado nas grandes preocupações humanistas existentes nos países circunvizinhos. Lembramos, a título de exemplo, o célebre rei Salomão que ficou na história como expoente máximo de uma sabedoria sem precedentes. Curiosamente, o palco onde se encontra o sábio com Deus é a vida quotidiana, tendo sempre presente o horizonte da criação e não o ambiente do culto, ou do templo, como acontece noutros livros da bíblia.

O Livro de Job impôs-se como um marco fundamental na Bíblia porque, por um lado, apresenta, com uma notável profundidade humana, a experiência religiosa pessoal como um objeto de reflexão e, por outro lado, a tomada de consciência dos sofrimentos e dramas da vida humana, procurando a sua interpretação à luz da fé e da vontade divina.

Neste livro analisa-se o problema de saber se existe alguma correlação justa ou lógica entre a maneira honesta como se vive e a forma como a vida nos corre.

Também aborda o profundo problema do sentido do mal e do sofrimento inocente na vida do homem justo.

O autor do livro argumenta que a origem do mal e do sofrimento inocente radica numa cruel aposta de um “deus satânico” que permite experimentar a fidelidade de Job, abandonando-o à mercê de males impiedosos.

A narração mostra como Job foi atingido com o sofrimento atroz, através de um processo de perdas significativas na vida: os bens, os filhos e por fim a saúde.

 

 

2. A falência da doutrina da retribuição

Inicialmente, os amigos de Job oferecem-lhe o seu sábio silêncio, durante 7 dias. No entanto, paradoxalmente, depois torturam-no com discursos vazios, sustentados na “doutrina da retribuição”, que professa um prémio para aqueles que são justos e um castigo aos malvados. Os amigos sugerem que Job se submeta à correção divina, como único caminho para poder superar a sua situação atual (5, 17-26).

A falência da “doutrina da retribuição” está no fato de esta passar completamente ao lado da reivindicada inocência de Job, com toda a justiça, pois ele é um justo que sofre, como se fosse um mau.

A revolta do justo na dor

Job revolta-se contra os que o visitam, afirmando: “Vós sois todos consoladores importunos. Quando terão fim essas palavras de vento?” (16, 1-6). Chega mesmo a amaldiçoar o dia em que nasceu (cap. 3).

Perante tal cenário, Job conclui que o seu sofrimento só pode ser má vontade de Deus. Ou naturalmente, houve um grave engano para com ele porque, sentindo-se inocente, constata que Deus é sanguinário porque não só destrói o orgulho dos maus como também a esperança dos justos (9, 20).

As contradições da doutrina da retribuição, que Job experimenta na carne, são de tal ordem que ele só quer que Deus o deixe em paz (7, 17-19; 14, 6), ou então escute as razões da sua inocência e como justo juiz conceda-lhe a tão almejada justiça (23, 3-7).

Deus responde a Job

Infelizmente, no livro Deus não responde diretamente à situação concreta do sofrimento de Job, nem à incoerência da doutrina da retribuição ou à suposta injustiça divina perante a sua inocência.

A sua resposta não descodifica a origem do mistério do sofrimento e do mal, mas vai no sentido de apresentar a ordem do universo e a sabedoria que é necessária para manter a harmonia do cosmos, ou seja, Deus responde sem responder: apresenta argumentos unicamente sobre o mistério do bem, a sua absoluta transcendência e sabedoria.

História do hipopótamo

Encontramos na resposta de Deus, uma das passagens mais intrigantes da Bíblia, pois Ele remete a sua reposta a Job, com o exemplo do hipopótamo. Não é propriamente um divertimento teológico, pois a questão sobre os limites da responsabilidade humana perante a experiência devastadora do Mal é demasiado séria, para não ser levada a sério.

Deus desenvolve o seu raciocínio, desafiando Job a olhar de frente para um hipopótamo: “Vê o hipopótamo que criei como a ti… ele levanta a sua cauda com um cedro; os tendões das suas coxas estão entrelaçados. Os seus ossos são como tubos de bronze, a sua estrutura é semelhante a pranchas de ferro. É a obra-prima de Deus…, ninguém se atreve a provocá-lo” (Jb 40, 5-20).

O método de Deus neste singular encontro com Job é trabalhar a medida do olhar humano, rasga-lo imensamente para que ele vislumbre o incomensurável, tudo o que não tem resposta, mostrando-lhe que se o Mal é um enigma que nos cala, o Bem é um mistério ainda maior.

A maravilhosa criação também não tem resposta. Porquê pretender a todo o custo uma solução para o Mal, se o Bem é igualmente uma pergunta, e uma pergunta ainda mais funda, vasta e silenciosa?

Da fidelidade ao encontro com Deus

Retirada a segurança da saúde e lançado para o meio da dor, da doença, do abandono, da incompreensão e do sofrimento atroz, por fim Job conclui que só conhecia Deus “de ouvido”. A proximidade e a experiência do mistério e do sofrimento ajudam Job a buscar uma alternativa.

Olha de frente tudo o que é grande” – é o desafio que Deus lança a Job. E, perante isto, corajosamente Job responde ao Senhor: “Para Deus correm as lágrimas dos meus olhos” (16, 20). “De facto, eu falei de coisas que não entendia. Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora vêem-te os meus próprios olhos” (42, 1-5).

Mais do que dar repostas, o livro de Job é um questionamento sobre a vida e a existência. Questionamento que tem como ponto de partida o que mais perturba e fere a existência do homem neste mundo: a dor, o sofrimento inocente e a morte.

A liberdade de Deus

O livro de Job atinge o seu climax no encontro exclusivo de Deus com ele (42, 7-17). A inocência de Job é reconhecida por Deus e repreende aqueles que se dizem seus amigos: “Estou indignado contra vós, porque não falastes com retidão na minha presença, como Job, meu servo” (42, 7).

Podemos concluir que a justiça e a bondade de Deus não são, de modo algum, escravas da doutrina da retribuição.

Job queria desvendar a dobra do Mal e esquecia que é o Bem o gigantesco segredo, o inesperado desígnio que mais nos visita.

CONCLUSÃO – PARTE I

A figura de Job é o protótipo de toda a humanidade que sofre e sofre inocentemente. A resposta à questão do sofrimento depende da visão que se tem do ser humano e consequentemente de Deus. A recompensa final de receber em dobro tudo o que possuía antes, apesar de não solucionar o verdeiro problema, regista um bálsamo possível para reparar todo esse processo doloroso de perdas consecutivas e irreparáveis.

Aparece pela primeira vez, na bíblia, a ideia de ressurreição como esperança numa recompensa futura que, embora não respondendo ao enigma do mal, pode amenizar a experiência da dor e do sofrimento existencial, neste mundo.

Ao atribuir a Deus a monstruosa culpabilidade do seu sofrimento, Job não quer dar uma explicação da origem do mal, apenas deseja que o seu grito de dor seja escutado.

Vivemos num mundo marcado pela experiência do mal

“Antigamente, quando a religião era forte e a ciência fraca, os homens confundiam magia com medicina; agora, que a ciência é forte e a religião fraca, os homens confundem medicina com magia”(Thomas Szasz).

O que se pode dizer sobre a experiência do mal?

Há muitos tipos de mal: o mal físico, o mal moral, o mal metafísico, o mal fora de nós, o mal em nós...

Quando o mal se abate sobre nós - um cancro, um terramoto, um tsunami, um filho que se nos morre desfeito em dores e perante a nossa impotência total, quando nos destruímos mutuamente, quando tudo se afunda sob os nossos pés, quando o futuro se apaga... -, aí gritamos, choramos, blasfemamos, rezamos... reclamamos uma resposta que faça sentido ou apazigue o nosso grito de sofrimento.

Compreensivelmente, este questionamento coloca-se cada vez com mais agudeza, quanto maior for a angústia e o sofrimento.

Ao longo do tempo, houve tentativas várias de solução para o problema do mal, sobretudo quando nos confrontamos com Deus. Como é que Deus é compatível com todo o calvário de sofrimento que assistimos no mundo?

Lembremos o célebre pensamento de Epicuro, filósofo grego, séc IV a. C.: “ou Deus pôde evitar o mal e não quis; então, não é bom. Ou quis e não pôde; então, não é omnipotente. Ou se quis e pôde, donde vem o mal?

Na sua reflexão sobre a existência de Deus, Leibniz concluiu que este “é o melhor dos mundos possíveis”. Por sua vez, Schopenhauer contrapôs dizendo que este mundo não passa de uma arena de seres torturados, que sobrevivem devorando-se uns aos outros: "só pode ser o pior mundo dos possíveis".

Paradoxalmente, o mesmo filósofo, afirma: “Quanto mais nos tornamos conscientes da fragilidade, da vaidade e do carácter onírico de todas as coisas, tanto mais claramente também tomaremos consciência da eternidade do nosso próprio ser íntimo, porque é apenas neste contraste que a qualidade atrás referida das coisas se torna evidente, tal como percebemos a velocidade a que um navio segue apenas quando olhamos para a praia imóvel, não quando olhamos para o barco em si”.

A solução clássica da gnose dualista coloca o mal no interior da Divindade: esta possuindo em si mesma, o princípio do bem e do mal. Um parece não sobre viver sem o outro; duas faces da mesma moeda.

Podemos constatar isto na fábula de Ana Hatherly, que conta o seguinte: “Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra. Um dia encontraram-se num caminho muito estreito e como não gostavam uma da outra devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra não ficou nada…

Por exemplo, os vícios são defeitos das nossas qualidades, pois a nossa natureza produz ambos. Se assim não fosse não seríamos plenos e livres. A esse respeito Jung afirmou que “qualquer objeto sólido tem o seu lado de sombra”. Curioso será pensar que não podemos negar a nossa sombra, porque seria negar a própria existência e tornar-se uma espécie de fantasma. O auto-engano a seu respeito pode aumentar a confiança, ou a desconfiança, mesmo que fugaz ou ilusória, mas seguramente ameaça a nossa totalidade.

Imaginemos que seríamos uma criatura de constituição paradisíaca, imune a todas as tentações, também não teríamos vícios. Consequentemente, não necessitaríamos das virtudes, nem do livre arbítrio.

Constatamos que é muito mais fácil denunciar a maldade em conjunto do que questionar o que ela é e como funciona.

O teólogo Andrés Torres Queiruga abre caminho para uma reflexão pertinente, ao exigir para o problema do mal uma ponerologia (de ponerós, mau). Diz ele: deve-se tratar do mal, antes de qualquer referência à Divindade, pois o mal atinge todos, crentes e não crentes. Aí, percebe-se que a raiz do mal é a finitude. O mundo é finito e, por isso, não podendo ser perfeito, tem falhas e carências, choques, tensões e polaridades antagónicas, que rivalizam entre si.

O mal é essencialmente a ausência do bem e não pode ser compreendido por si mesmo. A possível existência no ser humano, da inclinação para o mal não nos deve preocupar em demasia. Significa apenas que as nossas tendências boas não são completas nem infalíveis, que não somos autómatos morais ou seres éticos, sem falhas.

Portanto, na minha perspetiva o problema do mal é um problema nosso. Se assim não for, o que fazemos é sentar Deus no banco dos réus e condená-lo por não ter sabido gerir as suas responsabilidades. Montamos um drama estranho em que Deus e Homem aparentemente sentam-se frente a frente, trocando acusações. Esta ideia que já fez correr rios de tinta, não ajuda a arrumar o assunto.

Pensemos: se para os não crentes, a existência de Deus não se coloca, não faz sentido responsabilizá-lo pela questão do mal. Contudo, o problema não deixa de existir. Para os crentes, assumindo a existência do mal, a concretização de Deus transforma-se na sua última forma de esperança.

Assim, Deus é omnipotente e infinitamente bom. Mas pretendermos que Deus poderia acabar com o mal no mundo, criando-o perfeito, mas não quer, é uma contradição. Não tem sentido perguntar por que é que Deus não criou um mundo perfeito, pois Deus não pode criar outro Deus. Se o mundo, inevitavelmente finito, não pode ser perfeito, não podemos pretender que Deus o faça.

A pergunta que se coloca é outra: se o mal é inevitável, porque é que Deus o criou?

Aqui começa a pisteodiceia (de pistis: a ciência que procura as razões e justificações da fé). Há diferentes respostas, pois todos têm de enfrentar-se com o mal e cada qual procura o caminho que lhe faz mais sentido. O crente religioso também tem o seu: acredita em Deus como Amor e anti-Mal e espera a salvação definitiva e plena para lá da morte. Os que optam por ficar sem Deus, continuam à mesma sem resolver o problema do mal, mas poderão estar a anular a última forma de esperança, inclusive para as vítimas inocentes.

Como lidar com o sofrimento

A pergunta certa não é se vamos sofrer, mas o que nos vai fazer sofrer? O que fazer com o sofrimento? E como vamos escolher viver a partir dali?

Um passo importante para aliviar e conter o nosso sofrimento é apoderarmo-nos dele e não culpabilizarmo-nos ou aos outros.

As ideias não são determinadas pelo código genético, são assimiladas e transmitidas culturalmente. Uma ideia que nos cause sofrimento bem pode ser substituída por outra ideia que nos cause alegria, mas compete-nos a nós realizarmos a essa mudança.

Outra forma de lidar com o sofrimento é guardá-lo para nós próprios, por muito nobre que seja essa atitude, não resolve nada. Uma forma razoável de lhe pôr fim é procurar as suas causas, independentemente das consequências ou por muito tempo que isto demore.

Quando o sofrimento é inocente ou não é auto-infligido, quando não podemos fugir-lhe ou combatê-lo torna-se cruel e atroz e para ser sincero não há muito que se possa fazer, nem há filosofia ou medicamento que consiga contornar essa situação. Este é o abismo que aqueles que sofrem terão de atravessar sozinhos, se possível sem medo da solidão.

Apenas encontro algum sentido na compaixão e na solidariedade daqueles que nos acompanham e nos ajudam desinteressadamente, nessa travessia.

Olhemos para algumas tentativas de respostas que encontramos na bíblia, como caminhos de superação do mal

A Bíblia não teoriza sobre o Mal, mas é a reflexão sobre uma experiência concreta de fé no encontro das tensões e conflitos reais e a experiência de comunhão com Deus que lhe dá sentido.

São vários os itinerários de superação refletidos na bíbliacomo forma de resposta e superação do problema do mal. Alguns exemplos desses caminhos de superação trilhados pelo povo bíblico são:

  1. Itinerário de Prova na Tribulação: a experiência do Exílio foi muito dura para o povo bíblico, onde experimentaram a provação de uma terra estrangeira, longe das suas referências culturais e espirituais e a sensação do abandono de Deus. A fidelidade dos profetas incentivou o povo a purificar a sua fé a não perder a esperança do regresso.

  2. Itinerário de Libertação:o Êxodo e a travessia do Mar Vermelho, após a experiência da escravidão no Egipto, traz em si o gérmen não só um êxodo geográfico, mas de uma libertação espiritual de mentes e corações de todo o tipo de escravidão, mesmo que para isso, tenham que passar pelo mar da dor, da escravidão, do medo e da morte.

  3. Itinerário da Restauração pela fidelidade: como já refletimos antes, Job é o modelo desse drama do sofrimento inocente.

    Alphonse de Lamartine (1790-1869) diz: “Job não é um homem, é a humanidade que procura a Deus: uma raça que pode sentir, que pode pensar e exprimir-se com a grandeza de Job, com essa força, é certamente digna de ser um interlocutor, de conversar com o Criador”.

    O pensador agnóstico, Jean Cotureau advoga que “Não acredita em Deus. Pois, se Deus existisse, seria o mal em pessoa. Diz ele: Prefiro negar a sua existência do que fazê-lo arcar com as responsabilidades”. Ao colocar o problema fora de Deus, Cotureau apenas aponta para o verdeiro questionamento do problema do mal, como um aguilhão na carne, um acicate de toda a nossa existência neste mundo. Existem perguntas que apenas são levantadas para serem faróis de referência no luminar pensamento humano.

    Andrea Tornielli, numa entrevista ao papa Francisco, em dezembro passado, para o jornal diário italiano “La Stampa”, colocou exatamente a seguinte questão: “Já esteve, em mais de uma ocasião, com crianças gravemente doentes. O que tem a dizer sobre este sofrimento dos inocentes?

    Ao que o papa respondeu: “Um homem que tem sido, para mim, um mentor, ao longo de toda a minha vida, é Dostoiévski e aquela sua pergunta, explícita e implícita: “Porque sofrem as crianças?” sempre andou às voltas no meu coração. Não há explicação. No entanto, há uma imagem que me vem à mente: há uma altura específica da sua vida em que uma criança “acorda”, não compreende muito do que a rodeia, sente-se ameaçada e começa a fazer perguntas à mãe ou ao pai. É a idade dos porquês. Mas quando uma criança faz uma pergunta não espera para ouvir a resposta completa, começa imediatamente a bombardear-nos com mais porquês. Aquilo que procura, realmente, mais do que uma explicação, é uma expressão tranquilizadora no rosto dos seus pais. Quando vejo uma criança em sofrimento, a única oração que me vem à cabeça é a do porquê. Porquê Senhor? Ele nada me explica. Mas eu consigo sentir que Ele está a olhar para mim. Por isso, posso dizer: Tu sabes porquê; eu não sei e Tu não vais dizer-me, mas Tu estás a olhar para mim e eu confio em Ti, Senhor, confio no teu olhar”.

    É nessa resposta, sem resposta, transmitida por um olhar absolutamente confiante, que Jean Lévêque, filósofo francês contemporâneo, recorda que a pergunta de Job é dirigida a Deus e portanto só Deus a pode responder.

     

    CONCLUSÃO – PARTE II

    Concluo com o diálogo que o filósofo agnóstico J. Habermas sobre o último encontro com o filósofo ateu H. Marcuse: ele "estava na sala de cuidados intensivos de um hospital de Frankfurt, rodeado de aparelhos nos dois lados da cama. Nesta ocasião, que foi o nosso último encontro filosófico, Marcuse, em conexão com a nossa discussão de dois anos atrás, disse-me: "Sabes? Agora sei onde se fundamentam os nossos juízos de valor mais elementares: na compaixão, no nosso sentimento pela dor dos outros".

    Continua a fazer todo o sentido combater qualquer espécie de mal; tal como continua a fazer sentido aliviar o sofrimento dos outros; alimentar uma criança esfomeada; é ato absolutamente digno de admiração ver a nobreza de quem oferece o bem em retorno do mal recebido.

    Vaclav Havel, primeiro presidente da República Checa, falecido em 2011, afirmou a propósito da esperança, que é uma orientação do espírito, uma orientação do coração. Não é a convicção de que algo acabará bem, mas a certeza de que algo tem sentido, seja qual for o resultado.

    Termino com o Mestre Eckhart (séc XIII) que diz de uma forma muito sábia:

    Nada sabe mais a fel do que sofrer, e nada sabe mais a mel do que ter sofrido.

    Nada, diante dos homens desfigura mais o corpo do que o sofrimento; nada, diante de Deus, transfigura mais a alma do que ter superado o sofrimento.