A história de Moisés – Parte I
Moisés é considerado o fundador da religião judaica, por vezes chamada “moisaica” e tal como Abraão, só é conhecido pela epopeia do Êxodo. Sabemos que era um hebreu de origem egípcia e que desempenhou um papel importante no processo da saída de alguns hebreus do Egipto, entre os séculos XIII-XI a. C. O nome Moisés, na sua raiz hebraica “mashah” (o salvador), significa o “salvo ou retirado” (das águas). Notemos que no livro do Génesis o cosmos (o universo) também nasce das águas primordiais, por obra e graça do da força do espírito de Deus. Por isso, penso que não será demasiado forçado aduzir que o autor sagrado quer escrever uma nova página da História da Salvação, com a personagem de Moisés, rompendo das águas amnióticas do Nilo, um novo universo, uma nova criação…
No entanto, se tivermos em conta sua raiz egípcia do nome “mses” = filho. Assim Ramsés, significa filho de Rá ou Tutmósis = filho de Tut (provavelmente Setí I).
No entanto, outras passagens, menos ortodoxas, da vida de Moisés advogam a sua existência, tais como a dos seus vários casamentos: Séfora, filha do sacerdote madianita (Ex 2, 16); No livro dos Números 12, 1: “Maria e Aarão falaram contra Moisés por causa da mulher etíope que tinha tomado, por ter desposado uma etíope.”;
Em Juízes 1, 16 e 4, 11 fala-se de “Hobab, o quineu (ou quenita), sogro de Moisés”.
Vocação de Moisés (Êxodo 2-3)
Os hebreus estavam no Egito há quase 400 anos e tinham-se tornado muito numerosos. O faraó resolveu tratá-los severamente e ordenou que se lançassem ao Nilo todos os seus filhos machos recém-nascidos. Deus inspirou à filha do faraó que recolhesse uma destas crianças e ela chamou-lhe de Moisés e o educou. Com cerca de 40 anos de idade, Moisés teve que fugir porque tomara a defesa dos israelitas. Já na terra de Madian casou com Séfora (faz lembrar a história de Isaac com Rebeca – Gn 24 e Jacob com Raquel – Gn 29), filha do sacerdote Jetro (também chamado Reuel) e apascentava o seu rebanho junto da montanha de Deus, o Horeb. Assim, o autor faz entrar Moisés no palco das sagas dos antigos patriarcas. Por ordem de Deus, no episódio da sarça-ardente (Êxodo 3), voltou 40 anos depois e fez os israelitas saírem do Egito, flagelando os egípcios com as famosas 10 pragas. No deserto durante 40 anos conduziu o povo de Israel até a fronteira da Terra Prometida. (Ler a defesa de Estevão, diante do Sumo Sacerdote e do Sinédrio, onde resumo da história de Moisés Atos 7, 9-44).
NOMES DE DEUS * Javé (Yhwh): SENHOR (só no texto) ’Adonay: Senhor ’El: Deus ’Eloim: Deus ’Eliôn: altíssimo ’El ’Eliôn: Deus altíssimo … Seba’ot: … do universo ’El Shadday: supremo ’El Shadday: Deus supremo ’Adonay Yhwh: Senhor Deus |
O novo relato da vocação de Moisés (Ex 6, 2-13) notamos uma outra tradição (provavelmente mais antiga) onde o escriba sagrado afirma que os antigos patriarcas viviam o henoteísmo religioso (admitiam a existência de vários deuses pagãos, mas adorando o Deus supremo – El Shadai).
* Nomes de Deus, no final da introdução ao AT, da Bíblia dos capuchinhos
Autoapresentação de Javé-Deus (Ex 3, 14)
Logo por aqui reconhecemos que Javé-Deus era o Deus que Moisés não conhecia e por outro lado, percebe-se que a revelação não cai do céu, mas é progressiva e encarnada na história. Moisés não é o primeiro a receber a revelação do nome de Deus, porque Ele já ‘habitava’ no Horeb, a montanha de Deus (região de Madian, onde Jetro era sacerdote). Mas, é o primeiro a receber o significado final deste Javé-Deus: é um ser pessoal, é um EU SOU (ou seja, projetado sempre no presente) que entra em relação, comunica-se… EU SOU AQUELE QUE VOÇÊS IRÃO VER (ou seja, projetado sempre no futuro). Deus tal como a nuvem, ou a coluna de fogo está sempre muito à frente. Não se deixa manipular pelos nossos “pré-conceitos” a respeito d’Ele. A partir daquele momento, o EU SOU é o Deus da história. O Deus que conduz a história do povo transformando-a em História de Salvação.
A atitude espiritual de Moisés difere de todas as religiões mesopotâmicas, onde os deuses dos outros, mesmo os mais poderosos, os mais imponentes, os mais magníficos, tinham figura humana. Eram criações a partir de projeções do próprio crente, muitas vezes com misturas entre corpos humanos e cabeças de animais ou vice-versa, mas Javé-Deus apresentava sempre a sua força através de representações que não se confundiam com Ele, eram apenas manifestações simbólicas da Sua Pessoa: a palavra, a luz, o fogo, a nuvem, o anjo…
As festas da imolação do Cordeiro e dos Ázimos, sintetizam-se na festa da Páscoa (Êxodo 12, 1-28 e 13, 1-10)
A palavra Páscoa vem do hebraico ‘pesah’ que significa ‘passagem’, evocando o grande acontecimento do Êxodo: a libertação do povo de Israel que passa da escravidão do Egipto à Terra Prometida. Precisamente, com Moisés e o Êxodo (1250 a. C.) as duas festas - a do sacrifício do cordeiro e a dos pães ázimos, ou seja, a oferta do trigo - uniram-se numa só, formando a festa da Páscoa Judaica. Posteriormente os escritores sagrados irão dar um sentido completamente novo à antiga Páscoa de pastores (seminómadas) e lavradores (sedentários). É a partir dos acontecimentos ligados à libertação do Egipto que os ritos ligados à Páscoa vão adquirir um sentido novo, passando da esfera do naturalismo da vida quotidiana e do mítico ao histórico. Esta historicização de rituais ligados à natureza (oferta do cordeiro e do trigo) corresponde à necessidade de uma maior espiritualização destas e de outras festas. Assim:
A tradição da morte dos primogénitos do Egipto poderá ter a ver com o Êxodo: o ritual do sangue era praticado pelos israelitas seminómadas, quando aceitaram a Javé como Deus e a Ele atribuíram estas tradições. Lembremos a referências seminais e férteis: Deus diz a Abraão: Saí da tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te indicar… toda a vida do peregrino espiritual é um contante Êxodo! Portanto, se olhar para trás na história bíblica da Criação, o primeiro Êxodo é de Deus, que sai de Si para ir ao encontro da humanidade em Adão, e depois nos patriarcas, nos profetas, nos Juízes, em definitivo em Jesus Cristo e depois nos Apóstolos e na Igreja para o mundo. Do mesmo modo o matrimónio, é um convite ao Êxodo: por isso, o homem deixará pai e mãe… é a aventura do amor partilhado a dois… depois a 3 e a 4… refiro-me aos filhos, claro!
É um convite permanente a sermos seres em viagem… peregrinos do espírito e do Infinito!
O sacrifício das primícias dos rebanhos (o cordeiro de um ano, sem mácula… Êxodo 12, 5) ficará relacionado com a morte dos primogénitos do Egipto.
O poder dos maus espíritos, que o sangue derramado nas estacas das tendas espanta e afasta, ficará associado ao poder do “flagelo exterminador” que mata os primogénitos do Egipto.
O sangue que tingia os postes das tendas significará que Javé, ao matar os primogénitos do Egipto, poupa os israelitas. O derramamento de sangue imaculado, tem sentido e significado expiatório (ou seja, perdão dos pecados). Nos sacrifícios do AT, tinha de haver o sacerdote, a vítima, o altar e o fogo para consumir a vítima, como forma de oferecê-la a Deus. Na Páscoa de Jesus, também se cumprem esses requisitos, de forma espiritual: Jesus é o altar, o sacerdote e o cordeiro e é o Espírito Santo que vai consumir e consomar a obra da sua redenção: a salvação!
O Pão Ázimo (sem fermento), comido com as vestes próprias de quem parte em viagem, significará a saída apressada do Egipto, o que não permitiu levedar a massa do pão. É, pois, o pão da aflição de que fala o livro de Deuteronómio 16, 3.
A celebração noturna significará a vigília que Deus fez em favor do seu povo. Deus trabalha constantemente. Reparemos mesmo nas nossas vidas que meia-noite e um segundo, apesar de ser de noite, já é um novo dia! J
Esta historicização da Páscoa supõe uma teologia da História - presença de Deus no tempo - única em todo o mundo antigo, distingue a religião de Israel das religiões naturalistas. Adoravam os astros e as forças incontroláveis da natureza como divindades. Um simples costume de nómadas passa a ser a principal festa de Israel estabelecido em Canaã.
A celebração pascal, além de memorial do passado, era também esperança dos tempos futuros, em que o Messias viria resgatar / libertar definitivamente o povo. Aqui já estamos longe da novidade cíclica ou na simples renovação dos fenómenos e cíclos da natureza. Este recuo ao passado não se faz apenas pela via do simbolismo-linguagem, mas através da consciência do crente que se identifica com a dos seus antepassados, que viveram realmente o acontecimento histórico.
Curiosidade sobre o cálculo do dia de Páscoa: A Páscoa é celebrada sempre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da Primavera (“aequus+nox”: noite tem a mesma duração que o dia, ou seja, 12 horas cada). Esta antiga regra equivale à data mais próxima ao primeiro Domingo após o 14º dia do mês lunar de Nisan. Poderá assim ocorrer entre 22 de março e 25 de abril.